O incidente de desconsideração de personalidade jurídica, previsto no artigo 50 do Código Civil, conceitua-se como um instrumento pelo qual o juiz pode, a requerimento da parte, ou do Ministério Público (quando lhe couber intervir no processo), quando evidenciado o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, desconsiderar a personalidade jurídica para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Neste diapasão, há também a possibilidade de ocorrer a desconsideração inversa à personalidade jurídica, que objetiva o afastamento da autonomia patrimonial da sociedade empresária, com o intuito desta responder pelas obrigações adquiridas pelos seus sócios-administradores, quando estes vierem a praticar atos que dificultem o cumprimento de obrigações da pessoa física. É o caso, por exemplo, do esvaziamento do patrimônio pela transferência para a titularidade da pessoa jurídica em que é sócio.
Em caso recentemente julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o devedor (sócio de empresa que sofreu a desconsideração inversa da personalidade jurídica), teve, por duas vezes, declarada sua ilegitimidade para se manifestar no incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica no Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Todavia, ao analisar o caso os Ministros do STJ, entenderam que o sócio devedor possui sim legitimidade postulatória no citado incidente.
Para os Ministros, tendo em vista que o nascimento da pessoa jurídica advém da manifestação de vontade de pessoas físicas, através de um vínculo psicológico entre elas, nada mais justas as pretensões eventuais do sócio devedor de integrar o incidente de desconsideração inversa, bem como de impugnar decisão concessiva do pedido, tendo em vista a possibilidade de influir na relação existente entre o executado e os demais sócios.
Em voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, os ministros concluíram que “o resultado do incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica pode interferir não apenas na esfera jurídica do devedor, mas também na relação jurídica de material estabelecida entre ele e os demais sócios do ente empresarial”.
Assim sendo, extrai-se do julgamento do Recurso Especial nº 1980607 / DF (2022/0004148-0), que o sócio devedor de uma empresa que teve deferido contra si um incidente de desconsideração inversa de personalidade jurídica, possui legitimidade e interesse recursal para impugnar o julgamento do incidente.