Desde a publicação do Código de Defesa do Consumidor e após a massiva utilização das redes sociais, o consumidor ganhou bastante força na busca de seus direitos e na reclamação pública contra abusos de fornecedores de produtos e serviços. O poder de reclamação dos consumidores é uma arma que não pode ser desprezada, tamanho é o seu “poder de fogo”, mas aqui vale o ditado: “quem brinca com fogo pode se queimar”. O consumidor, ao registrar uma reclamação, não pode partir para a ofensa, não pode utilizar palavras injuriosas e difamatórias no exercício de um direito. Para citar mais um ditado popular, “o seu direito acaba onde começa o dos outros”, que envolve bom senso, ética e valores morais e, também, direitos e deveres assegurados em lei.
Um paciente de um Hospital de São Paulo, indignado com o atendimento que ele diz ter recebido, registrou sua reclamação da Ouvidoria do Hospital. No e-mail enviado ao Hospital, referiu-se à médica que o atendeu como “suposta médica” e “dita cuja”; reclamou da demora em ser atendido, alegando que essa demora deu-se porque os médicos “estavam relembrando os momentos de faculdade onde, ao invés (sic) de estudarem, ficavam se drogando e enchendo a cara de pinga nos bares do arredores da universidade, logo pela manhã”, e ainda sugeriu “colocar estes médicos (jovens filhos de papai) para venderem pastel em barraca de feira, pois sou melhor atendido na feira do que aí no hospital (…)” A médica a quem o paciente/consumidor se referia, sentindo-se ofendida em sua honra e imagem, levou o caso ao Poder Judiciário, que condenou o paciente a indenizar a médica em R$ 5.000,00 por danos morais.
A Desembargadora relatora do processo reconheceu que o consumidor tem direito de reclamar de um atendimento não satisfatório, mas que “o réu usou expressões que extrapolam esse direito, trazendo nítido caráter ofensivo”. O paciente/consumidor tentou defender-se alegando que imaginava que sua reclamação teria caráter reservado e sigiloso, que tem histórico de doença grave e câncer na tireóide com metástase, e que o descaso da médica teria rememorado seu sofrimento.
Entretanto, para os julgadores do caso, o desabafo não ocorreu num momento de dor, já que o e-mail foi encaminhado quatro dias depois do atendimento. Os Desembargadores concluíram que o paciente/consumidor “teve tempo de pensar sobre o caso, escolher as palavras e medir suas consequências. É inevitável concluir que ele tinha a intenção de ofender a médica”. Sobre o alegado “caráter sigiloso” da reclamação, afirmou o Tribunal: “Ora, a Constituição Federal, ao lado da liberdade de expressão, veda o anonimato (artigo 5o, IV, da CF), justamente para que todos enfrentem as consequências de dizerem o que pensam”. Resumidamente, o Tribunal reconheceu que “O réu não agiu de forma ilícita ao reclamar do mau atendimento, o que serve inclusive para aprimorar os serviços prestados pelo hospital, mas extrapolou de seu direito ao usar expressões jocosas, e fazer ilações totalmente levianas a respeito do caráter da médica”.
A decisão foi proferida pela 8a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação 1052859-45.2015.8.26.0100.