A dispensa por justa causa representa a sanção mais severa a ser aplicada ao empregado dentro do contrato de emprego, motivo pelo qual se torna necessário o atendimento a alguns princípios cunhados pela doutrina.
Nesse sentido, na aplicação desta penalidade trabalhista máxima, devem ser observados os requisitos da tipicidade e da gravidade, da culpabilidade do empregado, do nexo de causalidade entre a falta e a sanção, da adequação e da proporcionalidade entre a falta e a sanção, da imediatidade da punição, da ausência de perdão tácito, da inalteração da punição, da ausência de discriminação, da singularidade da sanção (non bis in idem) e, de acordo com a natureza e a gravidade da falta, do caráter pedagógico da gradação das penas.
Além disso, as condutas ensejadoras da dispensa por justa causa, em geral, estão descritas no art. 482 da CLT[2].
Por outro lado, tem-se que a cada dia as redes sociais vêm se tornando não apenas um mecanismo de interação social, mas também uma forma pela qual as pessoas vêm expressando seus sentimentos como tristeza, alegria, angústia, etc. No entanto, tal canal de interação social não pode ser utilizado como forma de justificar condutas que afrontem a honra, a imagem e a integridade de pessoas físicas ou pessoas jurídicas. Neste sentido, é o próprio texto constitucional no art. 5º, V e X da CRFB:
Art.
5º ………………………………………………………………………………………………..
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Especificamente em relação ao contrato de emprego, as postagens em redes sociais podem ensejar a dispensa por justa causa, enquadrando-se a conduta no previsto no art. 482, “j” e “k” da CLT. Senão, vejamos:
Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
Tal fato se justifica, afinal, os referidos incisos do art. 482 dispõem que o ato lesivo da honra ou boa fama praticado no serviço se traduz na conduta do empregado atentatória aos direitos de personalidade referentes à imagem e à moral de qualquer pessoa (“j”) e contra o empregador ou superior hierárquico (“k”), ressalvada a legítima defesa própria ou de outrem (art. 25 do Código Penal), desde que exercida dentro dos limites norteados pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
De outro vértice, a postagem em rede social pode caracterizar a aplicação da dispensa por justa causa por mau procedimento (art. 482, “b” da CLT), a qual consiste em qualquer outra conduta faltosa e grave cometida pelo empregado que não se enquadre nas outras hipóteses tipificadas na lei, sendo, por isso, utilizada de forma subsidiária ou residual, diante da ausência de um tipo legal mais específico que corresponda ao ato irregular praticado pelo obreiro.
Aliás, em artigo específico[3], tivemos a oportunidade de discorrer acerca de um caso concreto no qual uma enfermeira foi demitida, sem justa causa, em razão da divulgação, no site de relacionamento Orkut, de fotos suas e de seus colegas com o fardamento do hospital, então empregador.
Na época, a 3ª Vara do Trabalho de Olinda, em síntese, julgou no sentido de afastar a ocorrência da justa causa, por entender que não teriam sido atendidos os requisitos da tipificação e proporcionalidade.
Em sede de recurso ordinário, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região[3] declarou a validade da dispensa por justa causa por entender que a postagem na rede social consubstanciada na foto da trabalhadora numa UTI teria maculada a imagem daqueles que compõem o quadro funcional do hospital, quando expôs a conhecimento público que, durante o horário de trabalho, as enfermeiras da UTI ficavam brincando e posando para fotos impróprias, ao invés de estar observando os pacientes em estado grave, caracterizando-se a quebra da fidúcia que deve nortear o contrato de trabalho, dando azo à dispensa por justa causa da autora, por mau procedimento[4].
Por conseguinte, os desembargadores da 2a Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, por maioria, conheceram do presente recurso, e, no mérito, por igual votação, deram provimento ao recurso patronal, vencido o Desembargador Relator, para julgar improcedente a ação. A referida decisão restou mantida em sede de agravo de instrumento em recurso de revista pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Outro caso importante foi o julgado recentemente pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Neste caso, a 1ª Turma do TRT de Goiás[5] negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo trabalhador, mantendo a sentença prolatada pela Vara do Trabalho de Catalão que julgou improcedentes os pedidos de reversão da justa causa e reconhecimento da dispensa discriminatória.
No caso, o empregado havia sido demitido, por justa causa, após publicar no aplicativo TikTok um vídeo contendo imagens de um colega de trabalho e um áudio — retirado do programa de TV Profissão Repórter, da Rede Globo, dita pelo repórter Caco Barcelos relatando sobre pessoas viciadas em crack — que dizia: “Como está quase sempre sob o efeito da droga, ele não tem forças para trabalhar. E o pouco que ganha, vira fumaça”. O trabalhador sustentou que teria sido o único a ser dispensado por justa causa, mesmo sendo rotineira a realização de brincadeiras entre colegas de trabalho, sendo a dispensa discriminatória.
Em sede recursal, o desembargador relator Gentil Pio de Oliveira entendeu que, malgrado o trabalhador fosse representante dos empregados na CIPA, a dispensa por justa causa poderia ser aplicada ao caso diante da conduta do obreiro que teria quebrado a confiança e a boa-fé existentes entre as partes, tornando insustentável a relação empregatícia.
Asseverou ainda o relator que o vídeo teria ofendido a honra de colega de trabalho e que, mesmo que não tivesse havida a divulgação do vídeo, o ato lesivo à honra já estaria consumado e, por isso, daria azo à aplicação da dispensa por justa causa.
Destacou, ao final, o desembargador que teria havida violação da política de mídias sociais e do código de ética da empresa, também afrontando a política social interna de combate a vícios de seus empregados, expondo indevidamente a imagem da empresa (no vídeo aparecem empregados uniformizados).
Em arremate, não se está a afirmar que, via de regra, a postagem em redes sociais pode ensejar na dispensa por justa causa, tampouco se está pretendendo negar a liberdade de expressão do trabalhador que possui redes sociais. O que realmente importa é estabelecer limites, sobretudo para que eventuais postagens não possam ofender imagem e a honra de outros colegas de trabalho ou do próprio empregador (pessoa física ou pessoa jurídica) e, de igual sorte, não violem normas éticas das empresas como, por exemplo, a realização de postagem no horário de trabalho ou exposição da imagem da empresa sem autorização.