Retorno do velho ao novo mundo implicará na necessária pactuação de alguns ajustes contratuais
Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”, dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor de direito do trabalho e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, Dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a #pergunte ao professor.
Neste episódio de nº 80 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► Com o encerramento da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), quais os impactos para a área trabalhista?
Resposta ► Com a palavra, a professora Marina Gomes Mattos.
Primeiramente, importante destacar que muitos foram os impactos que as relações de trabalho sofreram com a Covid-19 e a decretação do estado de calamidade pública. Os reflexos são perceptíveis no excesso de regulamentação e elaboração de normas do período, não obstante a ausência de objetividade delas que, em muitas situações, ainda as tornaram insatisfatórias.
Inicialmente, foi editada a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que tratava da possibilidade de adoção de medidas como isolamento, quarentena, determinação de realização compulsória de exames, dentre outras.
Em seguida, vale destacar as diversas Medidas Provisórias editadas pelo governo federal para enfrentamento das consequências sociais e econômicas do estado de calamidade, que incluíam regulamentações sobre o teletrabalho; antecipação de férias individuais; concessão de férias coletivas; aproveitamento e antecipação de feriados; banco de horas; e a suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Como já ressaltado, todo o aparato regulatório estatal não foi suficiente para conter a enxurrada de dúvidas e questionamentos que passaram a permear as novidades nas relações de trabalho. Inclusive, o fim do estado de calamidade pública e o retorno gradativo das atividades presenciais, considerando que o governo ainda não havia declarado o fim da pandemia, implicou em novas determinações de saúde pública no contexto social.
Assim, vale destacar algumas medidas como, por exemplo, a obrigatoriedade do uso de máscara, a apresentação do cartão de vacinação devidamente atualizado e a realização de exame para retorno ao trabalho, o afastamento das gestantes do trabalho presencial (Lei 14.151, de 12 de maio de 2021), a manutenção das medidas de isolamento para aqueles que apresentassem sintomas etc.
Observa-se que a cada mudança de cenário novas dúvidas surgiam, o que não foi diferente quando do surgimento da vacina que, atrelada à retomada das atividades presenciais, trouxe dúvidas acerca da obrigatoriedade do empregado em se vacinar e a possibilidade de aplicação da justa causa em caso de recusa.
Diversos julgados seguiram no sentido de ser possível a aplicação de justa causa em caso de recusa, tendo sido este o entendimento adotado pela magistrada Maria Fernanda Zipinotti Duarte, da 30ª Vara do Trabalho de São Paulo, ao manter a demissão por justa causa de uma funcionária de uma empresa de limpeza que se recusou a tomar a vacina contra a Covid-19, nos autos do processo nº 1001359-61.2021.5.02.0030.
No mesmo prumo, segue mais uma jurisprudência acerca da matéria:
JUSTA CAUSA. ATOS DE INDISCIPLINA E INSUBORDINAÇÃO E DESÍDIA. MANUTENÇÃO. Comprovados os atos faltosos do reclamante no exercício de suas funções, ao não comparecer inúmeras vezes ao serviço sem qualquer justificativa e não respeitar as normas internas da empresa, culminando com sua recusa injustificada em tomar a vacina contra a covid-19, deve ser mantida a dispensa motivada por atos de indisciplina, insubordinação e desídia, todos previstos no art. 482, da CLT. (TRT-11 00001687920215110019, Relator: SOLANGE MARIA SANTIAGO MORAIS, 1ª Turma)
Observa-se que a situação envolveu a necessidade de ponderação entre a função social da empresa e a sua responsabilidade pela saúde dos seus funcionários, bem como o zelo a um ambiente de trabalho saudável, nos termos do art. 7º, XXII da Constituição Federal, além do respeito à liberdade individual previsto no art. 5º, II da CF.
Ou seja, até que ponto haveria um conflito entre direitos fundamentais e de que forma não estaria prejudicando outros direitos ou colocando em risco uma coletividade? Entrementes, a partir da ampliação da vacinação e do controle da doença decidiu-se pelo término do estado de emergência de saúde pública, conforme Portaria GM/MS nº 913, de 22 de abril de 2022, situação essa que, mais uma vez, causou interferência total nas normas trabalhistas.
A citada portaria ministerial faz cair por terra todas as determinações legais que até então tinham como fundamento o estado de pandemia, restabelecendo-se na prática o status quo. Isso implica, entre outras repercussões, que não mais poderá ser exigido o uso de máscaras; os afastamentos somente ocorrerão mediante confirmação da doença com a realização de testes laboratoriais ou avaliação específica por profissional capacitado; as gestantes e os idosos poderão ser comunicados para o retorno presencial ao trabalho; e, mais, passa a ser permitida a dispensa de pessoas com deficiência (PCD).
No que tange ao teletrabalho, a Lei da Reforma Trabalhista já previa a regulamentação de tal modalidade de trabalho, que passou a ser mais comumente utilizada com a pandemia, cujos benefícios trazidos reforçam as chances que se mantenha como uma importante ferramenta.
Vale lembrar, contudo, que os acordos realizados anteriormente se mantêm válidos, não obstante novos ajustes ou alterações contratuais passem a obedecer às regras previstas nos artigos 75-A a 75-F da CLT.
Da mesma forma, o que foi previsto nas medidas provisórias editadas ao longo do período pandêmico, e que previam regras de flexibilização dos pactos laborativos, somente poderá ser aplicado mediante negociação individual ou coletiva.
Por fim, é importante destacar que o empregador, não obstante a atual ausência de previsão legal, pode estabelecer regulamentações internas mantendo determinações que entende serem necessárias, como são os casos do uso de máscaras, da manutenção das medidas de higiene e do distanciamento no ambiente de trabalho.
Pode-se dizer, em arremate, que é o retorno do velho ao novo mundo, o que implicará, doravante, na necessária pactuação de alguns ajustes contratuais, sendo essa, aliás, a própria dinâmica do Direito do Trabalho.
Fonte: JOTA